Por Aulores Ferreira Lyra, SRC
Senhor, criador e doador da vida.
Experimento a vocação de ser semente, encontro‑me no meio de muitas outras sementes, sinto‑me em comunhão e ao mesmo tempo me sinto única.
Tu nos tomas em tuas mãos, conheces profundamente cada uma de nós, acolhes nossas diferenças e tens carinho especial por todas.
Senhor, reconheço que estar em tuas mãos dá‑me segurança, sentir tua ternura me deixa em paz.
Sinto alegria única em ser semente e alegria maior por estar em tuas mãos, nosso criador.
Nesta presença amorosa e significativa, experimento algo novo em meu viver: sinto grande encanto por minha existência, sinto sinceros desejos de querer trabalhar mais em tua senda.
Quero ser útil, quero ser sinal, quero ser tua. Por isso confio no Senhor.
Começo a acolher mais e mais teu projeto de vida para comigo, sonho de esperança para todos.
Confesso Senhor, que muitas vezes não sei o que desejas de mim. Vivo em muitas dúvidas e resistências.
Mesmo assim confio. Sei que em Tuas mãos estou segura.
Pois sei que me amas muito. Às vezes me sinto cansada, reajo, e sigo em especial, a chuva que vem do céu e que está fazendo abrir meu coração, e de braços abertos para nos acolher como semente e para nos acompanhar cada uma na sua simplicidade.
E chega um momento histórico, um momento decisivo: é preciso descer até as profundezas da terra.
É preciso mergulhar no novo, no desconhecido,
O semeador com toda a ternura do mundo deita‑me terra adentro.
Algo estranho acontece comigo: foge‑me a luz, sufoca‑me a terra, invade‑me o medo, e a solidão…
Tudo é escuridão, estou só.
Sinto falta da luz, das outras sementes.
Sinto falta do carinho, falta‑me a mão do semeador.
Deparo‑me com os muros da terra, estou num mundo desconhecido, num silêncio gritante.
Experimento o desespero, o abandono, não vejo saída, estou sem forças. Sinto‑me acorrentada ao meio, à impotência, ao nada.
O que está acontecendo comigo? O que fazer? Como sair dessa? De longe escuto uma voz suave que me diz: “não tenhas medo, seja amigo da terra, confie nela” confiar em quem me sufoca? Como acolher o que parece uma ameaça? Como ser amigo de quem me amedronta? Com as lágrimas e o suor reguei a terra e pouco a pouco fui me rendendo, fui confiando apesar de todas as resistências. Uma voz terna e amiga que me diz: não fique na escuridão, você foi feita para a luz, venha para fora. Senti algo e alguém muito presente neste processo todo. Senti um forte apelo a dar tudo das poucas forças que ainda sobravam, para sair e conhecer a vida nova, a vida estampada no horizonte da esperança.
… mas como?
Nesta dinâmica de sair de mim para entrar no novo, sinto que nasço, que renasço.
Sinto uma presença que me refaz, sinto gosto de uma mão amiga. É presença que me passa coragem, confiança, passa‑me a certeza de que a luz é mais forte que a noite, sinto que nenhuma noite, por mais escura que seja, consegue impedir o amanhecer de um novo dia.
E, pouco a pouco, fui crescendo e sendo algo com a ajuda do sol, da água, da luz… da graça.
Hoje sou pequena planta, exposta a tudo. Experimento grande confiança em ti. É tua seiva que me faz ser, que me faz viver, que me faz ser para os demais.
Em ti e contigo nossa autonomia se toma filiação, em ti e contigo nossa vida se torna serviço alegre e humilde.
Contigo, Senhor, nossas dores se tomam solidariedade, contigo os medos se tomam confiança, contigo as nossas cruzes se tornam sensibilidades, contigo os sofrimentos se tornam esperança, contigo, a morte se torna vida.
Senhor desejo e quero, com tua graça, produzir o oxigênio da misericórdia, da confiança, da fraternidade, da paz…
Desejo e quero acolher a todos na sombra que me faz descansar e refaz a vida.
Desejo e quero exalar o perfume de tua ternura e de teu amor infinitos, desejo e quero ser sinal de nova criação em ti. É a semente se abrindo para a vida.
Que assim seja!
Um dia uma pedra dura, áspera e fria diz a uma flor que se encontrava no mesmo jardim:
– Eu sempre te protegerei se tu me mostrar um único lugar onde possa encontrar Deus.
A flor respondeu:
– Eu te darei um prêmio se me mostrar um único lugar onde Ele não se encontra.