Cecil A. Poole, FRC
Temos, repetidas vezes, ouvido a frase “No começo”. Para uma referência, de modo geral conhecida, dois dos livros mais místicos da Bíblia cristã começam com essas palavras. Que significa esta frase?
Alguns dos primitivos folclores e tradições religiosas atribuíam a Deus, um começo. De conformidade com algumas crenças de uma ou outra época, Ele não existia – depois, existia, e Dêle proveio a criação. Semelhante teoria não coincide com a teoria de um Deus infinito. Se Deus é infinito e todo-poderoso, é difícil conceber que Ele possa ter tido começo, pois, tudo que começa deve terminar, e qualquer coisa que tenha começo ou fim, é limitada.
O fato de que uma coisa não existia, em determinada época, e, agora, existe, ou de que agora existe e, em alguma ocasião, não existirá, é prova de uma força restritiva que atua sobre essa coisa. Se
Deus teve começo, Ele, então, em determinada época, não existia, e, imediatamente, pensamos em seu Ser, como restrito. Não podemos conceber um Ser infinito como tendo restrições. Este conceito do Ser é, naturalmente, enigmático, e quanto mais tentamos traduzir o conceito, em palavras, mais nos tornamos confusos com a terminologia.
Podemos conceber o Ser, no momento, como algo que existe. Em outras palavras, qualquer coisa que pareça ter um estado de existência no reino de nossa percepção consciente dessa existência, representa o Ser. A maior parte das coisas que fazem parte de nosso ambiente pode ser concebida como tendo duração de vida limitada, isto é, obviamente têm começo e fim. É, do mesmo modo, óbvio, que as leis, ou a substância interior dessas coisas, que faz com que elas tenham existência, mesmo que por um período momentâneo devem ter existido antes da coisa particular ter se manifestado e continuarão a existir depois de ter ela desaparecido.
Há fatores no universo que existem, continuamente, além do fator de qualquer manifestação específica. Essas leis, portanto, estão acima de qualquer aplicação específica que delas pudéssemos fazer, e parecem dar prova do tempo infinito como a própria estabilidade de qualquer coisa que tenha existido, que exista agora, e que venha a existir. A própria existência de qualquer coisa depende da manifestação continuada das leis e da força ou causa que lhes dá origem.
É difícil, para o Homem, conceber a existência infinita de qualquer coisa. Tudo de natureza física ou material de seu ambiente, é, obviamente, uma manifestação transitória da existência. Quando olhamos para qualquer coisa material, percebemos apenas aquilo que se registra em nossa consciência objetiva, material. A lei em operação para fazer com que ela venha à existência, não é evidente aos nossos sentidos, porém, ela existe como um fator em manifestação contínua. Não podemos perceber a própria força ou lei. Ela faz parte da força criativa e mantenedora do universo. Sua manifestação representa uma das polaridades de uma força universal. Se ela é eterna em sua existência, então, deve ser uma manifestação de Deus ou da causa primária suprema que jamais teve começo ou fim.
Tem sido afirmado, por muitas religiões, que jamais houve tempo sem Deus e que jamais haverá época em que Ele não exista. Todavia, sempre que tentamos explicar essa ideia no sentido de nossa concepção de tempo, defrontamo-nos com muitas teorias inexplicáveis e manifestações aparentemente contraditórias. Muitas tentativas têm sido feitas, filosófica, religiosa, e fisicamente, para dar ao Homem compreensão do tempo infinito, porém, com toda probabilidade, o fracasso em serem essas ideias prontamente aceitas, repousa no próprio conceito de tempo, porque o tempo é tão limitado para a nossa compreensão física, como o é o material que julgamos pelo tempo.
A expressão “No começo” não se refere, no sentido místico, tanto a Deus como ao tempo em que o Homem percebeu a Deus. “No começo”, refere-se a um estado de consciência, ao invés de ao começo da criação ou a Deus, que a realizou. Neste sentido, o Homem, como Ser individual e consciente, teve, realmente, um começo. Pode ter sido a consequência de algo mais – pode ser, como afirmam algumas filosofias orientais, que a alma do Homem seja um segmento do Criador original – porém, pelo menos, como Ser consciente, ele veio à existência, e, cada indivíduo, pelo processo de nascimento, renova esse começo muitas e muitas vezes no transcorrer de todo o ciclo da história de sua alma.
Há duas teorias que tentaram esclarecer a questão da existência eterna: pela teoria do retorno eterno, o ciclo de vida é comparado com uma roda, na qual a vida se repete, sempre, até que, finalmente, seja dominada a lição que o Criador determinou fosse aprendida. A teoria do Carma, é de compensação, isto é, o Homem, eventualmente, chega a uma conclusão para o domínio da vida. Pelo sistema de provas e erros, de viver uma existência após outra – as lições de uma vida melhorando a seguinte – ele terá a ideia da fonte de onde procedeu e da finalidade para a qual se encaminha. Essa teoria sustenta a ideia da imortalidade individual, isto é, que existe uma determinada consciência anímica, para a qual as nossas personalidades terrenas concorrem ou contribuem, até que o desenvolvimento total seja incorporado à mente da alma.
Desde que raciocinamos como seres mortais, limitados ao nosso corpo físico, estamos restringindo o nosso raciocínio às limitações de nossas atividades físicas, isto é, como vivemos, fisicamente, em um mundo tridimensional, o nosso raciocínio parece, também, manifestar-se dentro das mesmas restrições.
A questão do Ser, seu possível começo ou fim, e sua origem, repousam em uma quarta, ou, mesmo, maior dimensão, que somente pode ser compreendida pela expansão de consciência e, não, pela expansão da capacidade de realização física.