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Os Rosacruzes

GLP
Sede da AMORC-GLP

Inicialmente, é preciso esclarecer que a palavra “Rosacruz” e a expressão “Estudante Rosacruz” são de domínio público há muitos séculos, de modo que diversos movimentos as empregam ou se referem a elas de uma forma muitas vezes ilegítima, o que tende a criar confusão. As explicações que apresentamos a seguir dizem respeito exclusivamente à Antiga e Mística Ordem Rosae Crucis, conhecida em todo o mundo pela sigla AMORC.

Numa perspectiva puramente histórica, a Ordem Rosacruz remonta ao século XVII, época em que os Rosacruzes se fizeram conhecer na Alemanha, na Inglaterra e na França através de três manifestos que se tornaram célebres no mundo do esoterismo: o ‘Fama Fraternitatis”, o “Confessio Frater­nitatis” e o “Bodas Alquímicas de Christian Rosenkreutz”, publicados respectivamente em 1614, 1615 e 1616. Atualmente, sabe­mos que esses Manifestos, que misturam relatos históricos e alegóricos, foram escri­tos por um grupo de Rosacruzes eminentes: o famoso “Círculo de Tübingen”. Alguns anos mais tarde, em 1623, um cartaz afixado nas ruas de Paris divulgava mais amplamente a Ordem Rosacruz. Nos séculos que se seguiram, esta Ordem sobreviveu sob diversas denominações para, finalmente, ressurgir em 1909 com o nome de “Antiga e Mística Ordem Rosacruz”. Esclarecemos ainda que a AMORC publicou em março de 2001 um quarto Manifesto, o “Positio Fraternitatis Rosae Crucis”, que historiadores como Roland Edighoffer e Antoine Faivre reco­nhecem como sendo da linha dos Manifestos do século XVII.

É importante esclarecer que no século XVIII havia uma linha direta entre a Franco-maçonaria e a Rosacruz, principalmente na Europa. É por isso que personagens como Cagliostro, Jean-Baptiste Willermoz e Martinès de Pasquallly pertenciam a essas duas Fraternidades esotéricas. Nessa época, seus membros realizavam regularmente um trabalho integrado em determinadas reu­niões. Atualmente, certas obediências maçônicas ainda conservam o grau de “Cavaleiro Rosacruz”. Entretanto, a AMORC é totalmente independente da Franco-maço­naria e perpetua sua herança segundo um método que lhe é próprio. Essa afir­mação permite lembrar o lema da Ordem que é “A mais ampla tolerância na mais irrestrita independência”. De fato, a AMORC está ligada a apenas uma organização: à Tradi­cional Ordem Martinista, que ela apadrinha desde o início do século XX, e cujos ensina­mentos se inspiram no pensamento de Louis-Claude de Saint-Martin, grande filósofo francês do século XVIII.

Apesar das origens históricas da Frater­nidade Rosacruz se situarem na Renas­cença, sua herança tradicional é muito mais antiga, pois remonta ao Antigo Egito. Sabemos que existiam naquele país Escolas que reuniam pesquisadores que se interes­savam pelos mistérios da vida, donde o nome de “Escolas de Mistérios”. Esses pesquisadores, ou esses místicos, elaboraram progressivamente um Conhecimento secreto, uma Gnose, que se difundiu muito além das fronteiras egípcias. Filósofos gregos como Heráclito, Tales de Mileto, Pitágoras e muitos outros, depois de terem estudado no Egito, fundaram sua própria Escola de Mistérios na Grécia. Por sua vez, os pensadores da Antiga Roma estudaram os mistérios gregos – que eram inspirados nos mistérios egípcios – e cria­ram também centros de estudos em seu país. Posterior­mente, essa herança esotérica foi transmi­tida aos alquimistas da Idade Média e depois aos Rosacruzes da Renas­cença. Vemos, portanto, que, parale­lamente às religiões estabelecidas, um conhecimento secreto é transmitido através dos tempos de uma Escola de Mistério para outra. Atual­mente, a AMORC é uma das herdeiras desse conhecimento secular, daí seu aspecto tradicional.

Vejamos agora em que sentido a AMORC é um movimento iniciático. Isso se deve ao  fato de ela perpetuar um ensina­mento progressivo, marcado por iniciações. Nos séculos passados, esse ensinamento era transmitido oralmente em locais secretos para evitar perseguições religiosas ou polí­ticas. É por esse motivo que no passado a Ordem Rosacruz foi consi­derada uma sociedade secreta. Mas, desde o início do século XX, a AMORC se caracte­riza mais como uma organiza­ção discreta e tem transmitido seu ensinamento por escrito. Este se apresenta desde então na forma de monografias, que são enviadas aos membros de forma confi­dencial. Essas monografias, que consistem em fascículos, estão escalo­nadas em doze grandes graus. Mês após mês, ano após ano, grau após grau, cada membro da Ordem é iniciado ao que os Rosacruzes ensinam há séculos sobre os mistérios da vida. Esse processo iniciático é especial­mente eficaz, pois permite que os conheci­mentos adquiri­dos trans­cendam o intelecto e se tornem parte integrante da consciên­cia da alma, que é a meta de toda busca verdadei­ramente mística.

Qual é então o conteúdo do ensi­namento Rosacruz? Sem entrar em detalhes, direi que ele trata de grandes temas nos quais os místicos estão sempre interessados: a natu­reza do Divino, as leis da Criação, a origem e a finalidade do universo, os conceitos de tempo e de espaço, a matéria enquanto energia e substância, o final ontológico da vida, a alma humana e seus atributos, as fases da consciência e as faculdades que lhe são pró­prias, os fenômenos psíqui­cos, a alquimia dos sonhos, os mistérios da morte, o pós-vida e a reencarnação, a ciência dos números, os símbolos tradicionais etc. Paralelamente a esses temas de estudo, as monografias contêm também experi­mentos que se destinam ao aprendizado de técnicas básicas do nível místico, destacando prin­cipalmente a visualização, a meditação, a regeneração, o despertar psíquico, a harmo­nização astral, a comunhão espiritual, além de outros. O ensinamento Rosacruz é ao mesmo tempo profundo e completo. Enfa­tizo que não há nele qualquer caráter dog­mático. As explicações dadas sobre qualquer assunto constituem mais uma fonte de reflexão do que uma verdade em que se deva acreditar totalmente. Uma abordagem como esta cria um espírito tolerante e estabelece as bases de uma personalidade independente nas escolhas de suas convicções filosóficas.

Se, por um lado, o ensinamento rosacruz se apresenta na forma escrita desde o início do século XX, por outro, existem as Lojas encarregadas de perpetuar o aspecto oral da Tradição Rosacruz. São locais em que os membros podem se reunir regularmente para participar dos trabalhos coletivos e participar de momentos de fraternidade. É também nessas Lojas que são transmitidas as inicia­ções rosacruzes. Considerando que existem doze graus nos ensinamentos da AMORC, cada membro que desejar pode então receber doze iniciações durante o seu período de estudos. Se eu digo ‘cada mem­bro que desejar’, é porque elas não são obrigatórias, se bem que recomendadas. As iniciações consistem em cerimônias simbólicas com três objetivos principais: receber ritualistica­mente o candidato num novo grau, conferir a ele as novas chaves esotéricas, permitir a ele se comuni­car com o mais divino de seu ser. Esclare­cemos que elas não têm qualquer caráter mágico, teúrgico ou oculto, pois a magia, a teurgia e o ocultismo não fazem parte das práticas ensinadas na Ordem, e são até mesmo desaconselhadas.

Vamos agora ver em que sentido a AMORC é um movimento filosófico. Inicial­mente, é preciso lembrar que a palavra “filosofia” significa literalmente “amor pela sabedoria”. Isso dá a entender que os Rosa­cruzes “amam a sabedoria”. Mas o que vem a ser a sabedoria? Apesar de não existir qualquer definição dogmática, diremos que ela corres­ponde ao estado de consciência de toda pessoa que expressa em seu comporta­mento as virtudes que se atribuem à alma humana, no que ela tem de mais divino. De um modo geral, é sábio aquele que desper­tou em si a paciência, a tolerância, a humil­dade, a gene­rosidade, a coragem, a benevo­lência, a não-violência e outras qualidades que são atribuí­das à inteligência do coração. Tanto que se pode dizer que há poucos Sábios entre os homens…

Convictos de que a meta de todo ser humano é ser perfeito, os Estudantes Rosa­cruzes se esforçam então para se tornarem cada vez melhores, não apenas para seu bem-estar pessoal, mas também para o bem-estar dos outros. Como? Praticando a alquimia espiritual, aquela que consiste em transmu­tar cada um dos nossos defeitos na qualidade correspondente. Como devem ter compreen­dido, essa forma de alquimia é a contrapar­tida espiritual da alquimia material que os alquimistas da Idade Média prati­cavam, e cuja finalidade era de transformar os metais comuns em metais preciosos, principal­mente em prata e em ouro.

A primeira definição da palavra “filosofia” é “amor pela sabedoria”, mas ela é algumas vezes definida como sendo a “ciência da vida”.

Neste caso a definição também se aplica perfeitamente ao Rosacrucianismo, no sentido que a AMORC não é o caminho da crença, mas o caminho do conhecimento. Em outras palavras, ela não pede que seus membros acreditem cegamente nos ensina­mentos que lhes são transmitidos, mas que os submetam sempre ao crivo da razão e da experimentação. Nisso vemos que a filosofia rosacruz não é especulativa, mas operacio­nal, e que o laboratório dos Estudantes Rosacruzes não é nada mais nada menos que o próprio mundo. É efetivamente em contato com os outros que eles aplicam o Conheci­mento adquirido a fim de produzir, especifi­camente, uma ciência da vida que seja útil para o bem comum, o que lhe confere um caráter profundamente humanista. Com relação a isso, vejam o que declarou Francis Bacon, célebre Rosacruz do século XVII, pai do método experimental: “O maior de todos os erros consiste em se equivocar com relação à verdadeira finalidade do Conhecimento, pois alguns são levados a ele apenas por uma curiosi­dade natural e por um temperamento sedento de saber; outros para entreter sua mente com a variedade e um certo prazer; outros para osten­tação e para serem reconhecidos; outros ainda para competir e obter vitórias; muitos para conseguir lucros ou para ganhar a vida, e poucos apenas para se servir do dom divino da razão em benefício da humanidade”.

Explicamos em que os Estudantes Rosa­cruzes cultivam o amor pela sabedoria e pela ciência da vida. Mas, se combinarmos essas duas definições da palavra “filosofia”, obtere­mos uma terceira, que é “amor pela vida”. Freqüentemente se acredita que o misti­cismo exige que as pessoas se privem dos prazeres legítimos da vida. Nada mais falso. Ao contrário, o ideal é levar uma vida equili­brada, que implica em atender ao mesmo tempo às necessidades do corpo e às aspira­ções da alma. É exatamente por esta razão que um ateu ou um materialista não pode ser feliz em longo prazo, e nem uma pessoa que se consagre exclusivamente à espirituali­dade. Partindo deste princípio, a AMORC deixa seus membros totalmente livres para viver como eles entenderem que devem, não os submetendo a nenhuma obrigação e a nenhuma proibição. A título de exemplo, ela não exige nem que sejam vegetarianos, nem que jejuem, nem que tenham uma vida contemplativa, nem que se abstenham de qualquer coisa. Mas amar a vida é também respeitá-la em todas as formas e preservá-la em sua diversidade. É por essa razão que os Estudantes Rosacruzes dão uma grande importância à ecologia, sendo a Natureza para eles o mais belo dos santuários. Citan­do as palavras de François Jollivet-Castelot, eminente Rosacruz do século XX, ela é “o Grande Livro de Deus”.

Vimos exatamente em que sentido a AMORC é um movimento filosófico, iniciá­tico e tradicional. Também a palavra místico merece aqui um breve comentário. Na linguagem corrente, esta palavra é freqüen­te­mente usada de forma pejorativa para designar uma pessoa cujo ideal ou compor­ta­mento é considerado misterioso, estranho, insólito e até marginal. No entanto, esse termo designa simplesmente um indivíduo que se interessa pelos misté­rios da vida, no sentido tradicional da expressão. Gostaria de citar um trecho de um discurso que Margue­rite Yourcenar apresentou quando de sua nomeação para a Academia Francesa. Falan­do daquele a quem sucedeu: “eis que ele conseguiu chegar, e o confessa com clara timidez, ao nível de místico da matéria. Acredito perceber nessa timidez o efeito de dois estados de espírito freqüentemente presentes no intelectual do tipo puramente racionalista – principalmente na França. O primeiro deles, um receio quase que supersticioso da palavra “místico”, como se essa palavra se referisse a outra coisa que não ao adepto das doutrinas que se conservam mais ou menos secretas ou pesquisador das coisas que perma­necem ocultas. E, no entanto, todos sabemos que todo o pensa mento profundo perma­nece em parte secreto, pela falta de palavra para expressá-lo, e que todas as coisas permanecem para nós em parte ocultas.O segundo desses dois estados de espírito não é outro que não um certo desdém pela palavra “matéria”, esta muito freqüen­temente considerada como a substância de um estado bruto, colocada em posição diame­tralmente oposta à palavra “alma”…

Faço também um breve esclarecimento sobre o sentido da palavra “esotérico”. É muito comum se dar a esse termo um sentido pejorativo, para não dizer negativo. Na realidade, ele designa uma tradição, uma prática ou um ensinamento que só é conhe­cido por um pequeno número de indivíduos, não pelo fato de ser secreto, mas porque poucas pessoas se interessam por ele. Visto por este ângulo, é verdade que a AMORC é um movimento esotérico, o que explica o porquê de seus membros serem relativa­mente pouco numerosos e o porquê de ela ser pouco conhecida do grande público. Ao contrário, as religiões são ditas exotéricas, pois são direcionadas às massas e são segui­das por um grupo bem numeroso de fiéis. Mesmo assim, vocês perceberão que a maioria delas deu origem a correntes esoté­ricas que lhes são próprias e cujo número de adeptos é limitado: a Cabala no Judaísmo, o Joanismo no Cristianismo, o Sufismo no Islamismo. No sentido tradicio­nal, o esote­rismo nada tem de pejorativo, mas constitui um domínio do Conheci­mento como um todo, donde o interesse que eminentes historiadores têm por ele.

Espero ter esclarecido em que sentido a AMORC é um movimento filosófico, iniciá­tico e tradicional, e até mesmo em que sentido é um movimento místico e esoté­rico. Mas, se fosse preciso guardar na mente apenas uma coisa sobre esse assunto, essa seria que se trata de uma Fraternidade Mundial composta de homens e mulheres de todas as raças, de todas as classes sociais e de todas as religiões. Numa época em que o individualismo prevalece e em que o nacio­nalismo ainda está muito marcado, essa abertura de espírito merece ser desta­cada. É nessa linha que a AMORC demons­tra seu humanismo e sua vontade de contribuir para a elevação das consciências. Isso natural­mente não quer dizer que ela detenha a Verdade e que quem quer que siga seus ensinamentos tenha a garantia de saber tudo sobre tudo e de levar uma vida sem qualquer problema. No entanto, independente dos ensinamentos que perpetua, ela tem o mérito de ser um vetor de tolerância, de harmonia e de paz. É isso que faz com que se afirme que: “A alma da Rosacruz faz parte da alma humanista e espiritual do Ocidente; ela é uma de suas jóias que reluzem de beleza, amor e pureza”.

Gostaria de esclarecer ainda a referência tanto a Rosacruzes quanto a Estudantes Rosacruzes. Na realidade, essas duas formas de expressão não são sinônimas na Tradição Rosacruz. Se quisermos ser exatos, a expressão “Estudante Rosacruz” se refere a um membro da AMORC, e de um modo geral a um estudante do Rosacrucianismo. Quanto à palavra “Rosacruz”, esta se aplica basicamente a todo Estudante Rosacruz que atingiu a Sabedoria, no sentido que foi definido anteriormente. De modo geral, um Rosacruz é então um ser, senão perfeito, pelo menos próximo do estado de perfeição, tal como é possível manifestá-la no plano humano. Da mesma forma que há bem poucos Sábios entre os homens, vocês devem compreender que há bem poucos verdadeiros Rosacruzes…

Para encerrar, gostaria simplesmente de citar um trecho de um texto de Comenius, célebre Rosacruz do século XVII, consi­derado atualmente como o Pai espiritual da UNESCO. Esta citação resume perfei­tamente aquele que foi sempre o ideal Rosacruz:

Desejamos que todos os seres humanos, coletiva ou individualmente, jovens ou velhos, ricos ou pobres, nobres ou plebeus, homens ou mulheres, possam receber educação completa e se tornar seres realizados. Queremos que eles sejam perfeitamente ensinados e educados, não apenas com relação a este ou àquele ponto, mas também com relação a tudo que permite ao homem realizar integralmente sua essência, a aprender a conhecer a Verdade, a não ser induzido a erro por falsas aparências, a amar o bem e a não ser seduzido pelo mal, a fazer o que deve fazer e a se afastar do que deve evitar, a falar com sabedoria sobre tudo com todos, enfim, a sempre tratar das coisas, dos homens e de Deus com prudência e não levianamente e a nunca se desviar de sua meta final que é a felicidade”.

 * Texto baseado ” Quem são realmente os Rosacruzes?” de autoria Frater Peter Bindon é Grande Mestre da Grande Loja da Jurisdição de Língua inglesa para a Austrália, Ásia e Nova Zelândia.